A Lanterna
por Milton Avelar de Carvalho*
Dia desse, tava eu mei discabriado, sem atiná cum o que fazê por amor de matá o tempo, então resorvi dá uma ispiada no Sitio do cumpade Angelim. Entrei num retiro, saí entrei notro, inté que dei de cara com o amigo João Brazílio, que contô o causo dumas capivara nadadera que rastava o barco do amigo dele duma banda prá otra do rio; pra-lá-e-prá-cá.
Achei interessante dimais a trepeça do caboco; fique inté cum vontade de ir lá vê as bicha, que nem viadin de Papai Noé, rastano a carruage prum lado e pro otro. Já que num dava pra ir, fiquei matutano, tencionei inté de armá uma arapuca dessa pra min, mais aqui num carece, não. Rii grande, inté que tem, mais é arretirado; no pedaço que eu labuto só tem corguin que nóis trevessa é na pinguela, mesmo. Antão fiquei só pensano na maçaroca, tentano vê cum os’oi da maginação, e acabei lembrano dum fato que se assucedeu cumigo, lá pelos ano de 1975. Cumo a prosa no Sitio do cumpade é prazentera e amigave, resorvi tomá a liberdade de conta minha disventura.
Vivia eu mais minha muié, a Mariquinha, e mais dois burreguin rigulano, maisomeno, sete e oito ano, lá pras banda do Salobrão, perto da Agua Ruim. Tirano as labuta com roça e as criação, tinha muito poco pra gente fazê. Diversão mesmo, tirano uma o otra visita na casa dos amigo que vivia arretirado umas boa pernada, só mesmo meu rádio de pia.
Aliais, se brincá, é capaiz que eu gostava mais do danado, que da muié. Muié é bicho bão, mais quano qué azucriná, és é profissionale. Meu rádio não, o bicho era bão que só ele. Quadrado, grandão; eu oiava pra cara dele, paricia a cara duma camionete, mais o bicho era bão! Tinha uns caipira que eu duvido otro rádio pra tê mió. E o futibol, antão? Tinha umas radia tão boa, com uns locutô que falava tão direitin, que paricia inté que eu tava veno a fota do jogadô carcano o pé na bola.
Um dia, tava eu priciano a prosa boa do locutô, enquanto os caipira num entrava, e a muié chegô e falô, cum jeito manso:
- Marido, tem mais carne, não. Os franguin tão mei piqueno, os porco capado tão muito magro ainda, acho que ocê vai tê que ir na rua arranjá umas pelanca pra nóis botá no feijão, pra dá uma sustança mió pros minino.
Prestei sintido na prosa da muié cum ovido, enquanto o otro iscuitava o rádio. Mesmo assim, o dever de pai me chamô na rigulage e, no otro dia, fiquei matutano no que fazê. Tava mei disprivinido de cobre; a coieta tava longe ainda; num tinha queijo nem porco gordo; tinha nada pra vendê na rua; só achei uma solução: caçá!
Caçá aqui no Goiais, aqui no Vão dos Angico, num é fácil iguar no pantanal, não. Lá ocê tem que pidir licença pros bicho pra podê passa. Aqui não. Inté que tem muito bicho, mais num é tanto quinem lá, e os bicho daqui são matrero, veiaco. Cê num vê eis fácil, não. Procê caçá, ô tem que sortá cachorro no mato, ô i quinem gato.
Como caça de cachorro num dá resurtado que presta, só cancera, resorvi que ia pra ispera. Andei pelas mata e pelo cerrado, procurano o mió lugá pra fazê a “tocaia”, e achei que o mió era um piquizero carregadin de flô, que tava da outra banda da Agua Ruim.
Fiz os plano tudo e marquei cumigo mesmo que ia no otro dia. Ajeitei a vinte e oito, carreguei os cartucho no capricho, mas quano fui pegá a lanterna, cadê pia. Matutei, matutei e só achei um jeito: tirá as pia do meu rádio, que tava nele já uns bão dia. Fiquei cum pesar, mais meus fii era mais importante.
Cum tudo arranjado, quano deu a ora certa, aprumei no rumo do piquizero. Cumo num tinha muito custume de caçá, apesar de vivê na roça, fui pensano no bicho, e a conciença doeu: “os bicho daqui já nem come de dia, cum medo” – pensei. – “e quano sai prá cumê, inda topa um iscumungado dum home trepado na arve, que sapeca fogo nele”. Cumecei a fazê finca-pé pra vortá, mais aí pensei: “eu tenho mais direito de matá os franguin e os porco, só porque eu criei eis”? E as carne dos açogue? Se os açoguero mata, é porque tem quem compra. Se o mundo qué me jurgá, o mundo que vire vegetariano, primero”!
Prumei dinovo no rumo do piquizero e falei arto: “meu pai me insinô a cumê carne, eu insinei meus fii a cumê carne e nóis virô carnivro, o viado que me discurpe, mais, se meus fii qué carne, eis vai tê”.
Cheguei no piquizero no cumeço do lusco-fusco e aprumei ligero pau-acima, porque a quarqué ora o viado brotava por ali. “Me” arrumei de quarqué manera na gaia que achei mais confortave, e comecei a ispera. Dum ora pr’otra, ficô iscuro que dava pra tocá o dedo nos’ói dos otro, sem eis vê.
Num precisei isperá muito, não. Loguin eu iscuitei a buia do bicho que vinha aprochegano. Pelo barui das foia - que o bicho é ladino, só fais barui por causa das foia caída – pelo barui, o danado era grande. Ia dá prá fazê muita pelota. O coração disparô, as mão deu um suadô que quais atrapaiô sigurá o trabuco, mais eu fiquei firme, cumo deu pra ficá. O coração vinha na boca de tanta fissura; eu nem lembrava da mais de légua que eu ia tê que carregá o bicho, só pensava na aligria da muié e dos minino e no tantão de pelota de carne, que ia dá pra nóis cumê um tempão.
A buia chegô na bera da arve, e eu sigurei a lanterna junto do cano da espingarda, cumo faiz um bão atiradô. O bicho entrô dibacho e parô. Pronto: era só cendê a lanterna, relá o dedo no pinguelo, pregá fogo e i pras pelota. Firmei os braço, prindi o forgo e dei cum o dedo no acendedô. Quano eu impurrei o butão da lanterna, a disgramada, invêis de dá luiz, gritô: “RÁDIO GLOBO”! Tinha inté eco, a disgramada!
Num deu nem tempo d’eu assustá. Na primera letra do grito da lanterna, o bicho já tinha aprumado no rumo da saróba, e eu fiquei só iscuitano o mato abrino e o serrado quebrano.
Minhas pelota fugino e eu lá, parado, cum cara de cachorro que peidô na igreja.
Só num sacudi a traidora pra bem longe, porque lembrei que meu rádio tava sem pia.
Dispois dessa, levei um bão tempo pra criá corage de caçá de novo. Mais uma coisa é certa: comprei otra lanterna e nunca mais confiei em pia viciada. Só caço cum pia nova!
*Milton Avelar de Carvalho é Poeta, Escritor, Músico e companheiro de inesquecíveis cantorias..