Postado por Angelim em 21/03/2009
Se um dia você resolver acampar na mata em noite de lua cheia e começar a chover, é bom ficar esperto.
Em uma dessas noites, quando a noite é mais longa que o dia, a mata muda de tom e passarinho não canta, escondido em seu ninho com medo do cheiro de silêncio que sopra por entre os galhos.
Fique bem atento às folhas soltas no chão e se um rastro leve, quase uma picada de formiga, puder ser visto seguindo sinuoso e travesso até a margem do rio, saiba bem que você está no lugar errado e na hora errada.
Na encruzilhada do rio, onde riacho deságua contente, você verá que a água parou de correr e nem as gotas de chuva batendo na superfície produzem algum tipo de movimento.
Alí, escondidos entre a sombra da noite e os olhos dos céticos, um bando de sacis vindos de todos os distantes cantos da terra estará anunciando a procriação da molecagem e das traquinagens da vida. Reunidos e barulhentos celebram mais uma nova geração de folias.
É quando realizam a inefável cerimônia de batizado dos sacis.
Quando lançados para dentro do rio, após um longo período de dormência na copa de árvores mais velhas, a água se encarrega de remover a tranquilidade da infância e banha cada saci com o espírito da atormentação.
Conseguir ver essa cerimônia acontecendo é mais do que raro. Só mesmo encontrando caída na mata alguma distraída carapuça de saci. Colocando-a na cabeça, as vistas se desanuviam, a idade some e um espírito de criança transpassa a alma. Podemos então ouvir seus gritos alegres e ver que a água do rio nunca parou de se mover. Descobrimos que na verdade tudo não passava de feitiço de saci velho para proteger os noviços antes do batizado.
A única coisa capaz de acabar com um saci é fazer que ele perca seu espírito de criança antes da hora do batismo. Espírito de saci não cresce nunca. Saci velho sabe disso. Sabe que onde a alma envelhece não há vida.
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